Tradições culturais de Junho e Julho! Salve Xangô!
As bênçãos do fogo
De dezembro a junho, o sol vai gradativamente se distanciando
do Equador e vai se colocando mais a pino. Essa trajetória tem seu
ápice no dia 24 de junho, que é então o dia do solstício de verão
no Hemisfério Norte e de inverno no Hemisfério Sul – no Brasil,
portanto, solstício de inverno. No próprio dia 24 de junho, o sol
inicia sua trajetória de volta, refazendo sua inclinação em relação
ao Equador. Esse movimento culmina no dia 23 de dezembro, que
é o dia do solstício de inverno, quando no Brasil se inicia o verão.
O solstício de verão, no dia 24 de junho, é o centro das festividades
juninas. É o grande momento da carreira do sol, o dia em que ele
chega mais alto no céu. Assim como outros fenômenos da natureza
(eclipses, chuva, trovão, relâmpago), o solstício de verão só podia
ser visto com preocupação pelo homem primitivo. Daí a razão de ele
ser secularmente celebrado.
O ponto alto da comemoração do solstício é o costume de
acender grandes fogueiras, geralmente em lugares altos, na noite
de vésperas. O sentido da fogueira vem da crença de que é o sol
que garante a fertilidade. Como no solstício ele atinge o máximo
da sua luz e calor, acredita-se que a fogueira traga para a terra esses
benefícios (luz e calor) com mais intensidade. Portanto, o fogo da
fogueira é capaz de promover o crescimento das plantações e o bemestar
dos homens e dos animais. Além disso, o fogo afugenta os
perigos e calamidades (raios, pestes, esterilidade), afugentando as
bruxas que os promovem.
Trazendo um pouco do sol para perto dos seres vivos, a
fogueira torna-se sagrada. Tudo nela tem poderes sagrados, capazes
de garantir a fertilidade e a saúde. Por isso, da fogueira derivam
também outras práticas mágico-religiosas: transportar tições, tochas
ou cinzas da fogueira para o meio das pastagens e do rebanho; andar
em volta da fogueira, passar pela fumaça ou passar por sobre as
brasas, para prevenir enfermidades e esfregar cinzas da fogueira pelo
corpo, com o mesmo sentido de cura.
O imaginário popular garante também que, tal como a
fogueira, a noite de vésperas do solstício de verão tem poderes
especiais. Assim, se as plantas medicinais forem colhidas naquela
noite, terão poderes acima do normal para curar enfermidades.
Também se acredita que o banho de água corrente, antes de o sol
sair, pode ser portador de muita saúde e sorte até a mesma data do
próximo ano (CÂMARA CASCUDO, 1988 – verbete São João).
A re-significação religiosa
Até aqui, falou-se mais sobre as origens pagãs dos ritos e
crenças que compõem as festas juninas. Mas há nelas também fortes
identidades católicas, manifestas principalmente nas rezas de terço
e devoção aos santos. Até se pode dizer que as festas juninas são
tradicionalmente festas religiosas. É que, ao longo dos séculos, a
Igreja Católica foi assumindo a maioria dos símbolos das festas
juninas, inserindo neles a sua lógica organizativa e os seus valores
religiosos e rituais. Aqui é necessário falar de um duplo movimento
em relação às festas de junho: “catolicismo oficial” e “catolicismo
popular”. A hierarquia católica conseguiu permear essas mesmas
festas com alguns elementos do seu culto oficial. Alguns exemplos:
orações reconhecidas pela Igreja; as três principais festas são festas
de santos (Santo Antônio, São João e São Pedro); e, no mastro que
homenageava os espíritos da vegetação, erguem-se hoje estampas
dos três referidos santos.
Mas até meados do século XIX, antes do período chamado de
romanização do catolicismo brasileiro, a capacidade de atendimento
religioso da Igreja Católica estava instalada praticamente nas
cidades. A grande maioria da população estava no campo, onde o
atendimento religioso era garantido por associações, confrarias,
rezadores e beatos, irremediavelmente à margem do controle oficial
católico. Essa situação definiu, no quadro religioso brasileiro, o que
é chamado de “catolicismo popular”. Sua principal característica
é compreender um grande número de símbolos e práticas, cuja
organização e realização independe da hierarquia católica. São
práticas religiosas que se situam também fora do calendário oficial
e dos seus locais de culto. Mas isso não significa um cisma ou uma
negação da Igreja. Os sujeitos sociais definidos por essas práticas
guardam uma grande fidelidade à hierarquia e, em geral, até
mantêm uma relativa freqüência aos atos oficiais, especialmente aos
sacramentos.
O que há de católico nas festas juninas refere-se
principalmente a esta forma de afiliação religiosa. Portanto, mesmo
que celebrem santos oficiais católicos, as três principais festas de
junho são predominantemente domésticas ou, no máximo, ao nível
da vizinhança, e não necessitam da iniciativa dos principais agentes
da Igreja. Mais ainda: sem a presença sacerdotal para o devido
atendimento religioso aos imensos contingentes de camponeses, as
festas de fogueira assumiam até algumas funções sacramentais. Uma
delas é a celebração do batismo em volta da fogueira, enormemente
difundida nos sertões de vários estados brasileiros. O “batizado de
fogueira” era levado muito a sério, ajudando, inclusive, a sustentar
a instituição do compadrio, de fundamental importância para as
relações sociais camponesas. Até o casamento em volta da fogueira,
encenado hoje como uma comédia grotesca, já foi muito praticado,
com validade, em algumas regiões de maior isolamento. Câmara
Cascudo cita registros, dando notícias de que nos Gerais, região
entre Piauí e Goiás, o casamento na fogueira de São João ainda era
assumido como sacramento até 1912. Tal união era posteriormente
legitimada com a passagem de algum missionário em desobriga
(CÂMARA CASCUDO, 1988).
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